NOTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE SOBRE AS ALTERAÇÕES NA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL
O Ministério Público do Estado do Acre, por intermédio da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde – PEDS e do Núcleo de Apoio ao Atendimento Psicossocial em Dependência Química - NATERA, considerando a proposta do Ministério da Saúde que modifica a Política Nacional de Saúde Mental, vem a público manifestar-se do modo que segue.
A proposta do Ministério da Saúde, conforme minuta disponibilizada por meio da sua Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Drogas Saúde (CGMAD/MS), viola, a um só tempo, a Constituição Federal e os direitos fundamentais das pessoas, a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão, a Lei nº 10.216/2001, a chamada “Lei da Desospitalização”, e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), documento subscrito pelo Brasil por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
A proposta representa um retrocesso na medida em que significará encarceramento de milhares de pessoas, retrocedendo à realidade manicomializadora medieval, violentando os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, CF), dentre os quais “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “erradicar […] a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos”.
Esse projeto, conforme minuta disponibilizada, pretende investir a maior parte do seu recurso em Comunidades Terapêuticas – CT (R$ 240 milhões/ano contra R$ 31.752.720,92/ano para a expansão da rede e criação de novos serviços), em uma clara autocontradição, visto que o mesmo Ministério da Saúde, ainda nesse ano de 2017, respondeu à requisição da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde do Ministério Público do Estado do Acre mediante o Ofício DS-GP/nº 193, de 15 de fevereiro de 2017, afirmando que as CT não são estabelecimentos de saúde, a menos que cumpram todas as diretrizes técnicas consubstanciadas especialmente pelas Portarias 131/2012 e 856/2012, ademais da RDC ANVISA 29/2011.
Ao adotar o modelo de manicomialização, o MS pretende coisificar o sujeito, na medida em que ele não participará ou, no máximo, terá papel desimportante em seu próprio tratamento.
Ainda, o Brasil se ilustra internamente, como demonstra a minuta do projeto, de modo incoerente e dissociado do modo como se apresenta em suas relações internacionais, destacando que o Brasil é subscritor dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, cujo item 3.4 determina que o Brasil, até 2030, tem de promover a saúde mental e o bem-estar, buscando “a eliminação de práticas nocivas em saúde, inclusive em saúde mental, pela utilização dos meios menos invasivos possíveis de tratamento, com consentimento livre e esclarecido e em serviços de saúde de base comunitária”.
Muito importante destacar que modificações tão profundas e desestruturantes de uma política até então vigente somente podem ser levadas a efeito mediante diálogo com a sociedade, com o controle social e com a pluralidade de pessoas a serem direta e indiretamente impactadas, caso contrário significa apenas a substituição dessa pluralidade de valores pela opção pessoal ou circunstancial de quem, por quaisquer motivos, esteja no poder em determinada ocasião, pretendendo fazer prevalecer seu próprio ponto de vista sobre o que é melhor ou mais justo, subtraindo o sentido da democracia.
O Brasil já segregou portadores de hanseníase obrigando ao isolamento e internação compulsórios, criando “leprosários”, “censo de leprosos”, “isolamento leprocomial”, afastamento desumano, compulsório e imediato da convivência entre pais e filhos (Decretos nº 5.156, de 1904, e nº 10.821, de 1914, e Lei nº 610, de 13 de janeiro de 1949) e, hoje, paga um preço módico e insuficiente por seu erro mediante pensão vitalícia a essas pessoas (Lei nº 11.520/2007), erro esse que parece não ter sido suficiente para evitar propostas como a do MS.
Por todos esses motivos, o Ministério Público do Estado do Acre, por meio da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde – PEDS e do Núcleo de Apoio ao Atendimento Psicossocial em Dependência Química - NATERA, entende que as propostas estão despidas de normatividade válida, tanto no plano interno quanto no cenário internacional e, com Bobbio, afirma que nenhum direito nasce de uma só vez, nem é conquistado de uma vez por todas.
Rio Branco/Acre, 14 de dezembro de 2017.
GLAUCIO NEY SHIROMA OSHIRO
Promotor de Justiça
Promotoria Especializada de Defesa da Saúde
PATRÍCIA DE AMORIM RÊGO
Procuradora de Justiça
Coordenadora do NATERA
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